Uma mistura de "1984", de George Orwell, e "Jogos Vorazes". Podemos definir assim "3%", a primeira série brasileira produzida pela Netflix. Com uma ideia, que começou em 2009, que gerou um piloto em 2011, a série fez sucesso no youtube. Depois de anos de busca por apoio de emissoras de TV convencionais, a Netflix viu ali uma oportunidade de sucesso e anunciou em 2015 a produção. Os oito episódios da primeira temporada foram todos disponibilizados no último 25 de novembro na plataforma de streaming.
Em um Brasil futuro e distópico, apenas 3% da população têm uma vida confortável e de luxo. Para fazer parte dessa elite é preciso passar pelo processo, quando se chega aos 20 anos. Só há uma chance, e caso a pessoa falhe junta-se aos 97% restantes, que vivem na pobreza e miséria. O processo envolve várias provas para testar as habilidades e o caráter dos participantes.
Somos apresentados à Michele (Bianca Comparato), Fernando (Michel Gomes), Rafael (Rodolfo Valente), Joana (Vaneza Oliveira) e Marco (Rafael Lozano), jovens que tentam fazer parte dos 3%, cada um por um motivo. Michele é a garota que fica entre a linha de ser tonta e ter atitude, Fernando é o cara legal que sonha em voltar a andar, Rafael é o bonitão sem escrúpulos, Joana é a misteriosa e destemida, e Marcos vem de uma família que todos passam para os 3%. Durante os episódios há flashbacks que mostram a vida dos candidatos antes de entrarem para o processo e aí passamos a entender melhor a motivação de cada um na série.
Apesar da tentativa em fazer de Michele a protagonista, talvez não tenha sido a melhor ideia. A série funcionaria melhor dando espaço igual para todos os personagens. É impossível não se apegar e acabar torcendo para algum personagem. Mas no decorrer dos episódios você percebe que não existem heróis ou vilões. Todos precisam lidar com questões difíceis, e nem sempre fazem a escolha certa.
Claro que existem personagens com mais carga vilanesca, como é o caso de Ezequiel (João Miguel), o coordenador do processo, mas que também apresenta seus momentos de bondade. E como em toda distopia, sofremos com as injustiças da trama. Além de nos enxergar em várias situações, pensando "e se fosse comigo?".
Eu estava com muita expectativa quanto à produção da Netflix, já que o piloto de "3%" é maravilhoso, se for levado em consideração o fato de ser independente. Por um lado minhas expectativas foram atingidas, por outro nem tanto. A parte técnica estava muito boa: cenários, figurinos, fotografia, efeitos visuais. Não perde para nenhuma série estrangeira, considerando o orçamento mais limitado. Porém algumas atuações foram forçadas, e o tom sombrio que vemos no piloto falta na produção da Netflix. Além disso, em alguns momentos a trilha sonora parece não ter combinado com o clima da série.
E claro que não dá pra deixar de comparar a produção com o piloto original. Como já comentei, o piloto tem um tom mais sombrio; os recrutadores são pessoas que você teme. Na nova versão eles fazem a linha irônica e cínica de "estou oferecendo minha ajuda mas na verdade quero te ferrar", que é comum em um enredo distópico, mas no piloto foi mais empolgante nesse sentido. Já o Fernando do piloto era mais ousado e determinado; o novo é mais permissivo. Mas temos como destaque a atriz Luciana Paes, que fez parte do piloto e da nova produção, nas duas vezes como recrutadora, com uma excelente atuação.
Considerando o baixo orçamento da série (R$ 10 milhões) comparada a algumas produções internacionais (Black Mirror: US$ 40 milhões; The Crown: US$ 100 milhões), "3%" tem erros e acertos, porém é um bom produto de entretenimento. Muitas pontas ficaram soltas e há vários ganchos para uma segunda temporada. Resta saber se terá uma boa aceitação do público e se a Netflix investirá nisso.