Na Irlanda do século XIX, Albert Nobbs trabalha como mordomo num requintado hotel de Dublin. Passando-se por homem por quase toda a vida, Nobbs na verdade é uma mulher que assumiu essa identidade não apenas para escapar dos abusos de uma sociedade machista, mas também para poder ir atrás de seus objetivos com maior liberdade — seu sonho é comprar um estabelecimento e conduzir seu próprio negócio. Quando isso parece próximo (há um lugar ideal à venda, e o dinheiro que há muito vem guardando já é quase suficiente), duas pessoas aparecem em seu caminho. Enquanto uma delas será incentivadora dos seus planos e um modelo de vida a seguir, a outra tentará se aproveitar de sua benevolência e ingenuidade. O personagem-título é interpretado por Glenn Close, que há cerca de 30 anos também o interpretou no teatro, e que há quase tanto quanto este tempo vinha tentando trazer a história às telas. Dirigido pelo colombiano Rodrigo García e com Close também entre os roteiristas (e ainda como produtora), Albert Nobbs (Inglaterra/Irlanda, 2011) não parece seguro de seu potencial dramático. O que se tem é uma narrativa que rodeia diversas tramas sem muita atenção ou cuidado — a montagem é especialmente problemática —, assim dispersando sentimentos por criar uma ligação frágil com o espectador. Nobbs é um protagonista riquíssimo, trágico e profundamente humano, e Close consegue momentos sublimes apenas com o olhar — é de se lamentar, portanto, que às vezes se observem exposições tão inoportunas como aquelas em que o personagem verbaliza seus pensamentos, ou, afinal, quando o filme acaba e tanta consternação não encontra ressonância.
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12 Horas (Gone, Estados Unidos, 2012) marca a primeira realização do diretor brasileiro Heitor Dhalia (dos ótimos O Cheiro do Ralo e À Deriva) em Hollywood. Renegado por crítica e público, o filme é um thriller bem afim às convenções e às falhas que o gênero pode apresentar, especialmente no que se refere às concessões que o texto faz aos personagens e aos furos na trama — mas não é de todo dispensável. O ritmo dá bastante fluidez às cenas (aliás, filmadas sob uma elegante fotografia), em boa medida conseguindo disfarçar os problemas estruturais da narrativa, e há, mais para o fim, uma sequência muito bem conduzida que trabalha essencialmente com expectativa e apreensão, e acaba culminado numa espécie de anticlímax que, de inesperado, chega a ser ousado. A protagonista da história é Jill, uma garota que alega ter sido a única sobrevivente de um assassino que atacou a região, e que, pela falta de provas que se tem do caso, não recebe muito crédito da polícia. Certa manhã, quando chega em casa do trabalho, não encontra a irmã, que agora veio morar com ela, e logo suspeita que seu algoz possa ter voltado. Quando vê que as autoridades fazem pouco caso, então, inicia uma investigação por conta própria. Em que pese eventual inverossimilhança, Jill é uma personagem complexa e bem escrita, e a atuação intensa de Amanda Seyfried deixa difícil de decifrar a natureza por trás de suas crenças, além de exibir uma notável rapidez de pensamento ao inventar diversas desculpas para conseguir informações. Se em retrospecto as fragilidades se tornam mais evidentes, não se pode desprezar que, enquanto manipulação cinematográfica, 12 Horas tem seus bons momentos.
No início de Um Homem de Sorte (The Lucky One, Estados Unidos, 2012), o fuzileiro naval interpretado por Zac Efron, em guerra no Iraque, encontra nos escombros uma foto e a ela atribui sua volta sã e salvo (ao menos fisicamente) do conflito. O que de mais implausível poderia sair disso, entretanto, é o que ocorre neste filme de Scott Hicks baseado em livro de Nicholas Sparks: o rapaz decide ir atrás da mulher do retrato para lhe retribuir a "ajuda", percorrendo milhares de quilômetros a pé depois de inexplicavelmente descobrir o local onde ela mora apenas por metade da imagem de um farol. O final, claro, já se sabe de antemão; logo, restaria ao desenvolvimento encontrar caminhos mais tragáveis para contar essa história. O que não acontece de forma alguma: tão logo se encontram, ele é incapaz de declarar suas verdadeiras motivações (e a revelação será guardada para um inevitável mas irrelevante conflito posterior); já a moça é separada e tem um filho que funciona como intermédio de conflitos com o ex-marido violento (e, tendo perdido o irmão na guerra, um novo amor seria uma boa forma de enfrentar a dor do luto); e há também a avó, típica fonte de sensatez senil que tudo prevê e que serve como facilitadora entre os jovens. Tantos clichês e artimanhas manipulativas até poderiam ser esperados, mas nada que preparasse para um terceiro ato tão desleal: com flagrante desfaçatez, o roteiro abusa dos personagens e das situações buscando a resolução que julga ser a mais cômoda, mas que na verdade é extremada e fantasiosa. Pouco talento é capaz de sobreviver a uma narrativa tão restringente, e talvez só Taylor Schilling consiga expressar alguma emoção verdadeira, em algumas pouquíssimas oportunidades. Efron, que se mostrou bom ator quando isso lhe foi exigido, aqui pouco faz — mas nada chega a ser tão injusto quanto o papel do ex-marido, corrompido sem o menor bom senso. Sutileza e enlevo, enfim, qualidades básicas de um bom romance, é tudo que Um Homem de Sorte não tem.