William Friedkin dirigiu duas das obras mais representativas da Nova Hollywood dos anos 70 — Operação França, de 1971, que lhe trouxe o Oscar de Direção e também levou Melhor Filme, e O Exorcista, de dois anos depois, sublevado na premiação pelo charmoso mas vazio Golpe de Mestre. Continuou filmando, mas, apesar de alguns bons trabalhos, nunca voltou a igualar o impacto e a influência de seus filmes seminais — seu último era Possuídos, de 2006, cultuado pelos poucos que viram. Killer Joe: Matador de Aluguel (Killer Joe, Estados Unidos, 2011) tampouco muda esse panorama de sua filmografia, mas é um atestado do domínio cênico e de atores de que o cineasta (ainda) é capaz. Da história do filho que vai agregando cúmplices ao plano de matar a mãe para receber o dinheiro do seguro saem personagens quase todos em algum nível corruptíveis e atabalhoados, mas de intentos compreensíveis e identificáveis — criações da peça homônima adaptada à tela pelo próprio dramaturgo, Tracy Letts, que também escreveu Possuídos para o teatro e o Cinema. À exemplo de O Exorcista, em que Friedkin igualmente trabalhou com texto do autor da obra original, o resultado aqui se repete excelente: os atores ganham falas tanto suficientes ao transcorrer narrativo quanto carregadas de efeito, polidas à forma de quem conhece esses personagens há anos de apresentações nos palcos. Mas de forma alguma o diretor deixa que a história pereça sob os problemas habituais de "teatros filmados": sua condução é também precisa e enxuta, e alterna os poucos lugares fechados onde se passa a maioria dos eventos com ótimas sequências externas, imprimindo dinamismo. A trama não poupa no grotesco e no pejorativo, e os usa a seu benefício em cenas viscerais (às vezes em sentido literal) que permitem aos intérpretes um embate de grandes atuações — e num elenco tão afim, talvez seja a jovem inglesa Juno Temple quem mais surpreenda: até então relegada a papéis pequenos e pouco expressivos (ela fez a companheira de quarto de Selina Kyle em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge), aqui ganha mais espaço e uma personagem de complexidades que a atriz expõe com naturalidade e carisma. Se Killer Joe não é uma obra-prima, sustenta-se facilmente como uma vigorosa e empolgante demonstração criativa de um talentoso diretor. Mesmo aos 77 anos, espera-se que não seja a última.
Filmes
William Friedkin dirigiu duas das obras mais representativas da Nova Hollywood dos anos 70 — Operação França , de 1971, que lhe trouxe…
Sangue em fúria
William Friedkin dirigiu duas das obras mais representativas da Nova Hollywood dos anos 70 — Operação França, de 1971, que lhe trouxe o Oscar de Direção e também levou Melhor Filme, e O Exorcista, de dois anos depois, sublevado na premiação pelo charmoso mas vazio Golpe de Mestre. Continuou filmando, mas, apesar de alguns bons trabalhos, nunca voltou a igualar o impacto e a influência de seus filmes seminais — seu último era Possuídos, de 2006, cultuado pelos poucos que viram. Killer Joe: Matador de Aluguel (Killer Joe, Estados Unidos, 2011) tampouco muda esse panorama de sua filmografia, mas é um atestado do domínio cênico e de atores de que o cineasta (ainda) é capaz. Da história do filho que vai agregando cúmplices ao plano de matar a mãe para receber o dinheiro do seguro saem personagens quase todos em algum nível corruptíveis e atabalhoados, mas de intentos compreensíveis e identificáveis — criações da peça homônima adaptada à tela pelo próprio dramaturgo, Tracy Letts, que também escreveu Possuídos para o teatro e o Cinema. À exemplo de O Exorcista, em que Friedkin igualmente trabalhou com texto do autor da obra original, o resultado aqui se repete excelente: os atores ganham falas tanto suficientes ao transcorrer narrativo quanto carregadas de efeito, polidas à forma de quem conhece esses personagens há anos de apresentações nos palcos. Mas de forma alguma o diretor deixa que a história pereça sob os problemas habituais de "teatros filmados": sua condução é também precisa e enxuta, e alterna os poucos lugares fechados onde se passa a maioria dos eventos com ótimas sequências externas, imprimindo dinamismo. A trama não poupa no grotesco e no pejorativo, e os usa a seu benefício em cenas viscerais (às vezes em sentido literal) que permitem aos intérpretes um embate de grandes atuações — e num elenco tão afim, talvez seja a jovem inglesa Juno Temple quem mais surpreenda: até então relegada a papéis pequenos e pouco expressivos (ela fez a companheira de quarto de Selina Kyle em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge), aqui ganha mais espaço e uma personagem de complexidades que a atriz expõe com naturalidade e carisma. Se Killer Joe não é uma obra-prima, sustenta-se facilmente como uma vigorosa e empolgante demonstração criativa de um talentoso diretor. Mesmo aos 77 anos, espera-se que não seja a última.