Flores Raras (Brasil, 2013) acompanha o relacionamento entre a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares e a poetisa norte-americana Elizabeth Bishop durante os cerca de vinte anos em que esta morou no Brasil. Dirigido pelo veterano Bruno Barreto, o filme já seria digno de interesse por retratar uma história de amor homossexual, mas merece especial atenção por fazê-lo com naturalidade e respeito.
Início da década de 50. Elizabeth, já nos seus quarenta anos, decide viajar para o Brasil em busca de inspiração. No Rio de Janeiro, é recebida por uma antiga colega americana, Mary, e sua companheira, Lota. O choque de personalidades é instantâneo: Elizabeth é retraída e frágil; Lota, expansiva e confiante. Suas interações iniciais, se superficialmente não indicavam mais que uma estranheza ou desconforto de uma com a outra, guardavam desejos e sentimentos mais profundos. A relação começa a brotar, e a estada que deveria ser de alguns dias se estende por anos.
O relacionamento de Elizabeth e Lota favorece o florescer criativo de ambas — enquanto uma encontra o acolhimento e a beleza que prolifica sua escrita, a outra se dispõe a criar e preservar essas condições. A primeira acaba vencendo o prêmio Pulitzer, mais importante láurea da literatura em língua inglesa, e a segunda é chamada para projetar o Parque do Flamengo, hoje mundialmente conhecido e símbolo da cidade.
Esse sucesso artístico, porém, vai aos poucos corroendo a relação das duas, na medida em que Lota vai ficando cada vez menos disponível por conta do trabalho, e Elizabeth vai cedendo ao alcoolismo. E é justamente nesse momento mais sensível da história que o filme mais perde, quando abandona a sutileza em favor de exageros dramáticos.
Como Lota, Glória Pires geralmente se vê presa a um roteiro que insiste na imposição de uma personalidade forte, às vezes tornando flagrante o overacting. Senão, transita bem entre as necessidades do papel, especialmente como expressão de otimismo e desejo, pouco sendo prejudicada por estar atuando em outra língua. Já a australiana Miranda Otto, que interpreta Elizabeth, carrega o peso de uma personagem de fortes nuanças com comovente sensibilidade.
Em que pese a estrutura um tanto episódica, ou os eventuais excessos do texto, ou o terço final mal conduzido, o filme é recompensando pela maturidade de sua abordagem. Maturidade essa que é vista também nas cenas íntimas, em que a entrega dos atores é captada sem pudores pela câmera. Em entrevista, Bruno Barreto disse que queria fazer um filme sobre perda, e de como se pode reagir a ela. Quando, na última cena, Elizabeth Bishop declama o agridoce One Art ao som da melancólica trilha de Marcelo Zarvos, revela-se sua trajetória. Quem dera todos chegassem a esse entendimento.