A psicologia explica o 'Golpista do Tinder'?

A Psicóloga Bruna Lima faz uma análise do documentário da Netflix


Muito se fala das mentes complexas daqueles que vivem uma vida distanciada da culpa e da empatia. Parece que dentre todos os mistérios da nossa existência - O que será que acontece no núcleo da terra? Como os Maias sabiam tanto de astronomia? - Os diagnósticos das personalidades antissociais (psicopatias) poderiam bem estar entre eles. Como acontece o humano sem humanidade?

Ok, a sociopatia não é tão misteriosa, no sentido de que é uma condição que vai sendo adquirida ao longo da história de alguém. Infâncias vividas em ambientes perigosos, em meio à criminalidade e morbidez, podem ser um terreno fértil para que a humanidade de alguém se esvaia. 

Hoje o narcisismo patológico é um assunto bem discutido por psicólogos americanos, esse diagnóstico é uma variante um pouco menos sinistra das sociopatias e psicopatias e talvez seja mais comum e corriqueiro. Aqui a diferença é que, por mais que tímida, existe a culpa por fazer mal à alguém e um pouco de vergonha. Poderíamos dizer que esta é também uma patologia não tão misteriosa por que o jogo do narcisista patológico, no fundo, se trata da busca fervorosa pela aprovação dos que estão ao redor. Sendo assim, de alguma maneira, o outro importa.

A Psicopatia já é um algo que pertence ao desconhecido. Se nasce sem a capacidade de ter culpa, empatia e consciência ética, moral e humana. A ciência ainda não chega à grandes distâncias para explicar o fenômeno. Diante de tudo isso é certo dizer que o que há hoje em termos de diagnósticos sobre Shimon Yehuda Hayu, 'O Golpista do Tinder', são só conjecturas.

O enredo que o personagem do documentário da Netflix protagonizou não é novo, mas causou impacto real na vida de quem se envolveu em sua teia. Histórias cinematográficas baseadas em grandes golpes e golpistas já foram contadas. 'Prenda-me se for capaz', 'VIPs' e 'O Lobo de Wall Street' são algumas delas. 

Simon Leviev, como se nomeou, performou um esquema Ponzi no qual a promessa não era a de rendimentos financeiros altos, e sim a de uma relação amorosa de conto de fadas. Talvez a pergunta que permaneça é: o que se passa com ele? Podemos apenas viajar por algumas ideias.

O Narciso diante do seu reflexo em um iPhone

Segundo o mito grego, Narciso era tão belo e tão vaidoso que, após desprezar inúmeras pretendentes, acabou se apaixonando pelo próprio reflexo que via no lago. Na versão contemporânea, este Narciso não tem pressa em desprezar as pretendentes por que elas serão a fonte de todas as suas benesses, mas de uma forma perversa. 

A adoração pela sua própria imagem é um aspecto marcante do personagem do documentário da Netflix. Roupas de grife, estadias em hotéis super exclusivos, carros potentes, são itens que faziam parte de um acervo conquistado às custas de mentiras.

Um homem apaixonado por ele mesmo, em um relacionamento com ele mesmo. O terceiro é apenas o elegido para pagar uma conta alta. O terceiro a que me refiro são as mulheres, vistas por Simon como recursos, fontes de amparo infindáveis e garantidas. 


Segundo o psicanalista Neville Symington, a mulher se torna uma referência marcante na vida de alguém por conta da primeira relação que experimenta na sua vida, a relação com a mãe. "Uma pessoa narcisista é alguém que se volta contra o gerador de vida, e acredito que isso acontece prematuramente na infância. No estágio mais precoce, a mãe é a fonte de alimento, bebida e abrigo para o recém nascido, e este é inteiramente dependente dela."

É famoso este argumento na psicanálise, o de que o bebê, em determinado ponto do seu desenvolvimento, se percebe despreparado para a vida e que ao mesmo tempo compreende que a sua mãe é a fonte de tudo o que torna sua vida possível. Ela lhe dá alimento, calor, afeto e proteção. As reações dos indivíduos são diversas diante de um ser cheio de recursos como este, visto talvez como poderoso. Alguns o admiram e são gratos e outros se voltam contra com uma fúria invejosa à aquele que possui mais do que ele. Em outras palavras, é como se o bebê ficasse enfurecido por ele mesmo não ser dono daquele leite.

Symington diz: "Um dos aspectos dominantes no narcisismo é o ódio absoluto de ser pequeno, de estar no início, de abrir-se à alguém que possa mostrar-lhe alguma coisa". Alguma coisa nova, alguma coisa do âmbito dos emoções, vínculos e relações autênticas quem sabe. E tudo isso pertence à esfera do feminino.

Os homens que não amavam as mulheres

O ódio absoluto de ser pequeno... ora, quando amamos, o objeto amado é grandioso aos nossos olhos. Quando se defende a própria posição (ou fantasia) de grandeza, é impossível amar um outro. 

O filósofo existencialista Blaize Pascal diz: "A grandeza do homem se reflete em seu próprio pensar na finitude e em reconhecer sua condição de miséria." Talvez a sensação de grandeza sem a consciência da própria miséria seja apenas fantasia. Ou então delírio, desvario, loucura.

Amar também é um pouco assim. Quando se ama devemos admitir que as nossas fantasiadas grandezas podem nem ser reais, que somos meros mortais. Quando amamos estamos em uma posição vulnerável, nos arriscando  por um algo maior que nós mesmos.

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