Em tempos de rápida inovação tecnológica, onde a inteligência artificial avança a passos largos, é fascinante como o filme 'Barbie' cria um espaço para explorar o sentido do que é ser humano e, é claro, do imaginário da mulher.
Nessa trama, a boneca Barbie ocupa uma posição singular, imersa em uma jornada de descobertas das sensações humanas e da complexidade que envolve a existência. Existir provoca em nós sensações e questionamentos que vão muito além da fantasia de uma vida perfeita e cor-de-rosa, a personagem descobre que existir dói e pode ser desagradável.
Barbie tenta resgatar um estado anterior de "cegueira", onde os problemas do mundo são eclipsados, dando lugar somente à fantasia e a um mundo perfeito, repleto de festas, relações harmoniosas e uma autoimagem favorável.
No entanto, é inegável que não podemos ignorar o que já foi visto, vivido e pensado, pois somente ao confrontar os desafios e inquietações da realidade é que se inicia uma verdadeira jornada de descoberta.
O mundo de fantasia da mulher
O filme exemplifica esse ideal ou fantasia do que é ser mulher neste nosso momento histórico, apresentando um mundo repleto de encantamento: uma auto imagem que satisfaz e dá prazer, boas relações, felicidade e bem estar todos os dias, ser sempre desejada e amada, poder viver a estética do belo, poder ser suficiente, etc.
Embora o universo Barbie tenha sido moldado e comercializado como produto, é curiosíssima a capacidade que a empresa teve de perceber os desejos das meninas e das mulheres, e com a boneca, materializaram os sentimentos e anseios femininos. As meninas e mulheres contemporâneas já questionam todo este ideal utópico que a fantasia Barbie também trouxe com ela, esse parece ser um terceiro tempo da discussão "o que é uma mulher?".
Mas algum tempo antes, talvez no primeiro tempo desta discussão, o mundo de fantasia da mulher muitas vezes incluía a figura masculina, pois a sociedade impunha que a verdadeira realização feminina só poderia ser alcançada através de uma parceria com um homem e da construção de uma família.
Era comum que na fantasia das mulheres existissem (e ainda existe) "'um bom homem' que irá me fazer existir como pessoa". Contudo, uma grande revolução aconteceu quando as mulheres começaram a se libertar desse paradigma, permitindo-se sonhar e idealizar uma vida própria, um Eu suficiente.
Desse modo, a mulher tem o direito de viver um mundo privado de fantasia onde o homem pode não estar lá como condição para a sua felicidade, bem estar e existência. A parceria com um homem ou com um outro é mais realizadora e significativa quando não se trata de uma relação de dependência, validação ou interesse ulterior.
O lugar do homem na fantasia da mulher
Talvez as meninas e mulheres exagerem um pouco com a história de "toda noite é noite das garotas", quem sou eu pra dizer. O ressentimento masculino pode chegar à nível de trauma como podemos ver em movimentos como MGTOW, Red Pill e afins.
É esperado que todos nós, homens e mulheres, passemos por situações que resultam em feridas narcísicas. É extremamente duro para uma criança pequena, por exemplo, descobrir mais tarde que a sua mãe não é sua cara metade para toda a vida e que ela tem outros amores e outros afazeres.
Mas de algum modo acabamos aceitando e seguindo em frente, certo? Como Greta Gerwig expõe no filme, Ken está no início da sua descoberta do Eu suficiente, sem necessariamente ter que entrar em uma relação simbiótica com um outro inferiorizado, controlável e passivo para poder existir.
A famosa pergunta que nem Freud conseguiu responder "O que as mulheres querem?" talvez possa começar a ser respondida com: ouvir de um homem com o coração tranquilo e sem ressentimento a aceitação de que "si se puede!".
